Olá, Professor Dr. Lucas Guimarães Ferreira, é uma grande satisfação poder entrevistá-lo.
Entrevista realizada pelo professor Mauro Guerra*.
1) Workshop de Lutas: Qual sua relação com os esportes de combate? Quais pesquisas seu grupo de estudo realizou envolvendo suplementos alimentares e esportes de combate?
Eu, pessoalmente, sempre tive algum interesse por artes marciais e esportes de combate, já tendo praticado em algum momento da minha vida judô, jiu-jitsu e boxe. Entretanto, a modalidade que eu pratico a mais tempo é uma arte marcial não competitiva, o aikido. Além disso, pratico também kendo, outra arte marcial japonesa.
Nosso grupo de pesquisas vem realizando alguns estudos com modalidades de combate. Por exemplo, publicamos um artigo que investigou o efeito da ingestão aguda de cafeína no desempenho de socos em atletas de MMA. De forma resumida, mostramos que com o protocolo utilizado, que envolveu séries de socos, de forma intermitente, não verificamos nenhum efeito da cafeína, seja na força máxima e média dos socos, seja na frequência de socos (quantidade de socos desferidos durante o protocolo).
Além disso, também publicamos no início desse ano um artigo que avaliou o efeito agudo de outro suplemento, a citrulina-malato, mas com atletas de judô. Utilizando um protocolo intermitente específico para a modalidade, concluímos que a ingestão do suplemento também não melhorou o desempenho dos atletas.
No momento temos projetos sendo conduzidos com atletas de MMA, parte do seu doutorado, inclusive. Nesse projeto o foco não é mais a suplementação, mas a compreensão de algumas valências físicas desses atletas e acreditamos que os resultados poderão trazer informações importante para a prescrição do treinamento dos atletas. Mas como ainda está em andamento, não tenho como adiantar muito sobre esse projeto.
E por fim, temos uns projetos prontos para serem desenvolvidos envolvendo outras estratégias de suplementação, mas a pandemia do covid-19 acabou por colocar muitos projetos em stand-by, mas pretendemos dar prosseguimento assim que for seguro retornarmos com as coletas.
2) Workshop de Lutas: Você poderia nos falar um pouco sobre essas pesquisas e o que esses resultados podem auxiliar no treinamento e na dieta de atletas de modalidade de combate?
O objetivo final dos estudos em ciência do esporte, no meu entendimento, é gerar estratégias práticas, de treinamento, suplementação, reabilitação, etc. No caso dos nossos estudos com suplementação, é compreender quais estratégias podem ser úteis para os atletas. Mas é muito importante ressaltar que o conhecimento se constrói com o tempo, com muitos estudos avaliando uma grande questão, mas cada estudo com suas nuances (e limitações também).
Por exemplo, mostramos que em um protocolo intermitente que envolveu socos, em atletas de MMA, a cafeína não resultou em melhoria do desempenho. Mas sabemos que o esporte MMA é muito mais que apenas desferir soco. Então não é porque não encontramos resultado em um estudo com um protocolo específico que devemos tirar conclusões definitivas sobre tal intervenção para a modalidade.
Um estudo é só uma pequena peça de um grande quebra-cabeças. É possível, por exemplo, que a cafeína resulte em melhorias de força, potência, ou mesmo nos aspectos cognitivos (que são também muito importantes para os atletas de combate). A mesma coisa se aplica a qualquer outro suplemento estudado.
Cada estudo tem um protocolo específico, e compreender o protocolo utilizado, e também as demandas específicas do esporte é importante para interpretar os estudos.
3) Workshop de Lutas: Qual a ideia por trás do uso de suplementos para a melhora da performance esportiva?
De forma simples e direta: melhorar alguma valência importante para aquele atleta, quer seja nos treinamentos ou nas competições. Como citei anteriormente, pode ser melhoria na força, potência, cognição, ou ainda capacidade anaeróbica, e por aí vai.
Além disso, pensando na preparação do atleta, alguns suplementos poderiam ter efeitos benéficos na recuperação entre as sessões de treinamento, ou no processo de reabilitação após lesão.
As possibilidades são diversas pois existem várias estratégias que podem ser usadas. Para avaliar qual pode ser eficaz para o seu atleta, é importante compreender o mecanismo de ação dessas estratégias e estar em dia com a literatura científica, pois é nela que devemos nos amparar antes de decidir por uma estratégia.
No caso dos suplementos, costumo recomendar que antes de prescrever ou utilizar o indivíduo faça as seguintes perguntas sobre o suplemento: ele é eficaz? é seguro? é legal e ético (considerando o controle anti-doping da modalidade, por exemplo)?
4) Workshop de Lutas: Quais suplementos nos dias de hoje podem ser considerados validos para atletas, e quais já foram desmistificados pela ciência?
Só essa pergunta daria um belo e extenso artigo de revisão, mas vou tentar ser sucinto. É importante antes de mais nada lembrar que nem todo suplemento funciona para todos os atletas. Existe diferenças individuais e mesmo para aqueles suplementos considerados com grau de evidência A, alguns atletas não respondem ao mesmo.
E além disso, entender as demandas específicas de cada modalidade é também fundamental. No final das contas, tudo vai depender do contexto daquele atleta específico. E ainda, é muito importante testar qualquer nova estratégia, inclusive de suplementação, longe da competição, para avaliar a resposta daquele atleta em específico. Nunca tente algo novo em uma competição!
A cafeína tem sido muito estudada, inclusive no nosso grupo, e muitos estudos têm demonstrado que pode melhorar o desempenho de força, potência e capacidade anaeróbica. Como para as modalidades de combate tais valências são muito importantes, pode ser uma estratégia válidas. Entretanto, nem todos respondem de forma positiva à cafeína. É importante conhecer seu atleta e em como ele responde à cafeína.
A creatina é talvez o suplemento mais estudado até aqui. Sua suplementação pode aumentar os estoques intramusculares de fosfocreatina e assim resultar na melhoria do desempenho em atividades de alta intensidade e curta duração, aquelas que dependem predominantemente do sistema da fosfocreatina. Mas há um ponto a ser considerado para os atletas de combate. Ao aumentar o conteúdo de creatina no musculo, aumenta também o conteúdo hídrico. Isso leva ao aumento do peso corporal.
Assim, para atletas de combate que precisam ficar dentro da categoria de peso específica, isso pode ser um problema. Sendo assim, talvez possa ser uma estratégia válida para períodos de treinamento, longe das competições. Ainda é cedo para ter certeza, mas é possível também que sua utilização em curtíssimo prazo entre a pesagem e o momento da luta, possa resultar na melhoria da ressíntese de glicogênio.
Uma vez que esses atletas em geral vêm de um processo de corte de peso e depleção de glicogênio, tal efeito pode ser muito desejável. Mas, como citei, mas estudos são necessários para verificarmos se essa estratégia pode de fato ser eficiente.
Beta-alanina e bicarbonato de sódio são também suplemento muito estudados, inclusive no contexto dos esportes de combate. Alguns estudos mostraram que a utilização desses agentes tamponantes (isoladamente ou em conjunto) pode melhorar a capacidade anaeróbica e o desempenho. O bicarbonato de sódio, entretanto, não é bem tolerado por algumas pessoas, então é importante testar diferentes protocolos de utilização antes de considerar seu uso em competições.
Outros suplementos que talvez possam ser de alguma valia, mas em geral mais estudos são necessários para confirmar sua efetividade: citrulina-malato, suco de beterraba (existem muitos estudos, mas não com atletas de combate, por exemplo) e capsaicina, para citar alguns.
Suplementos que ainda são utilizados por alguns, mas que os estudos apontam não ter eficácia para melhoria do desempenho em atletas incluem: tribulus terrestris, glutamina, BCAAs isoladamente, androstenediona e HMB, por exemplo.
5) Workshop de Lutas: Comente um pouco mais de como a suplementação de creatina pode auxiliar no desempenho físico de lutadores?
Bom, alguma coisa sobre a creatina já foi comentada em uma resposta anterior. Mas ampliando essa discussão, tal suplementação pode ter um impacto positivo na força, potência e capacidade anaeróbica dos lutadores, e tais variáveis são importantes para o sucesso competitivo dos mesmos.
Em geral, utiliza-se uma fase da saturação com 20 a 25 g de creatina por dia, dividida em 4 ou 5 doses por um período de 5 a 7 dias. Nessa fase vai ocorrer o aumento do conteúdo de creatina no músculo dos indivíduos até o seu máximo, dai o nome "fase de saturação". Pesquisas demonstraram que continuando a suplementação com dose menor, de 3 a 5 g por dia, tal conteúdo mantém-se elevado. Importante relembrar que cada indivíduo responde de maneira distinta ao mesmo protocolo de suplementação.
Ou seja, alguns irão apresentar grande aumento no conteúdo intramuscular de creatina, já outros nem tanto. Aqueles que apresentam aumento significante são os que apresentam também melhoria do desempenho. Outra possibilidade é iniciar a suplementação direto com a dose "de manutenção", 3 a 5g. Nesse caso, o aumento dos estoques ocorrerá de forma mais lenta, mas após 3 a 4 semanas a saturação irá ocorrer.
Como já citado, é necessário ter cautela quando o corte de peso é necessário para a luta. O aumento do conteúdo de creatina no músculo é associado a aumento de retenção hídrica e com isso aumento de peso corporal. Por essa razão, talvez seja mais recomendável utilizá-la somente em períodos de treinamento, mas parar com o uso entre 3 a 4 semanas antes da pesagem, para garantir que a suplementação não irá prejudicar atingir o peso máximo da categoria.
Mas um trabalho publicado em 2016 trouxe uma perspectiva muito interessante. Apesar de a saturação da creatina no músculo esquelético ocorrer após cerca de 5 dias, com doses elevadas de 20 a 25 g, os pesquisadores mostraram que mesmo 1 dia de suplementação de 20g de creatina pode resultar no aumento médio de 10% dos estoques intramusculares. E ainda mais interessante, eles demonstraram que a suplementação foi associada a maior ressíntese de glicogênio nesse período.
Aqui surgem duas possibilidades para o atleta entre a pesagem e a luta: primeiro, é possível (digo possível pois estudos são necessários para confirmar tal hipótese) que mesmo um pequeno aumento dos estoques intramusculares de creatina (de cerca de 10%) podem trazer algum benefício na melhoria do desempenho; e segundo, a melhoria da ressíntese de glicogênio (que em geral é significativamente reduzida durante o protocolo de corte de peso) pode também ser muito benéfica, tendo em vista que é substrato para o sistema anaeróbico lático, tão importante para o atleta de modalidades de combate.
Acho que nos próximos anos alguns estudos deverão ser publicados sobre suplementação de creatina após corte de peso em lutadores para que possamos compreender melhor tais efeitos. Mas tendo em vista que a suplementação de creatina não está associada a efeitos colaterais que poderiam prejudicar o atleta, eu acho que é uma estratégia que vale a pena ser utilizada nos períodos de treinamento e de forma mais aguda entre a pesagem e a luta.
6) Workshop de Lutas: E a cafeína? Como você recomendaria a utilização da cafeína para eventos distintos como os treinamento e as competições?
Muitos trabalhos demonstram que a cafeína é o suplemento mais utilizado por atletas. Estudos bem controlados envolvendo ingestão aguda de cafeína e desempenho esportivo surgiram principalmente nos anos 70, vindos do laboratório do Prof. David Costill da Ball State University nos EUA. Neste momento, os estudos envolviam atividades de endurance, como corrida e ciclismo. Foi demonstrado que a cafeína atenua a fadiga, resultando no aumento do tempo de exercício até a exaustão.
Nas últimas décadas, entretanto, muitos estudos foram publicados mostrando que a cafeína poderia também exercer efeito positivo no desempenho em atividades de predominância anaeróbica - de curta duração e alta intensidade - e de força e potência. Por exemplo, estudos (incluindo do nosso laboratório) demonstraram que a ingestão de 5 mg de cafeína por kg de peso corporal (400 mg em um indivíduo pesando 80 kg, por exemplo) 60 minutos antes do protocolo de exercício resulta na maior capacidade de realizar repetições em uma dada intensidade em exercícios de força. O salto vertical, que além da importância per se para muitas atividades esportivas, é também um teste muito utilizado para mensuração da potência de membros inferiores, também pode ser melhorado com a ingestão aguda de cafeína. nosso grupo também tem estudos corroborando isso, com atletas de futebol e futebol americano.
No que se refere aos esportes de combate, existem estudos com atletas de judô e jiu-jitsu, por exemplo, demonstrando efeito positivo em protocolo específico intermitente de alta intensidade e durante lutas simuladas. A força isométrica também pode ser melhorada com a ingestão de cafeína, o que pode ser importante para modalidades de grappling. Apesar do nosso estudo não ter encontrado efeito positivo no desempenho de socos em atletas de MMA, não podemos descartar que na luta (que envolve uma situação muito mais complexa do que o protocolo que utilizamos no laboratório) tal estratégia pode trazer algum benefício também para modalidades que envolvam socos e chutes.
Um outro ponto válido de se destacar é que a cafeína também pode melhorar o desempenho cognitivo. O principal sítio de ação da cafeína no organismo é o sistema nervoso central, que estudos tem demonstrado que ela pode exercer efeitos positivos no tempo de reação, estado de alerta, atenção seletiva, etc... O atleta de combate deve responder a estímulos em curtíssimos intervalos de tempo durante a luta. Sendo assim, o efeito da cafeína pode ser importante também para o aspecto cognitivo do atleta, não só para o desempenho físico.
7) Workshop de Lutas:
Descrição: Lucas Guimarães Ferreira é graduado em Educação Física pela UFES, tem mestrado e doutorado em Fisiologia pela USP e pós-doutorado em Ciências do Esporte na Universidade de Coventry (Inglaterra). É professor do Centro de Educação Física e Desportos da UFES desde 2010, onde coordena o Grupo de Estudos em Fisiologia Muscular e Performance Humana. É membro do quadro de professores dos programas de Pós-Graduação em Educação Física e de Nutrição e Saúde da UFES.
*Professor Mauro Guerra - Mestre em Educação Física e Doutorando em Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Santo.
NOSSAS REDES
CADASTRE-SE EM NOSSO NEWSLETTER